Livro: Sendo lagarta, de Bruna Ferrari Faganello

De um punhado de palavras, o livro. No princípio, verbo; no fim, também. Coube ao gerúndio o constante movimento, a metamorfose. Um dia sendo lagarta, no outro, borboleta. A vida encarregando-se de sua poesia. O desejo de liberdade transformando-se em asas coloridas. Dia bonito lá fora. Não tarde, menina, voe!

 

DADOS

Livro impresso em Pólen Bold
108 páginas

2020

Editor responsável: Wellington Souza
Produção editorial: Kalyne Vieira
Capa e projeto gráfico: Luyse Costa
Diagramação: Editora Benfazeja
Revisão:
Anaiza Castellani Selingardi
Marília Gabriela Moreira Pagliaro
Maurício Fregonesi Falleiros
Renata Barbosa Shimocomaqui Françolin

ISBN 9786599121982

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Se nunca foi lagarta, é preciso sê-lo.
Estar em seu casulo e mergulhar no desconhecido.
Aqui, sou completamente lagarta, imersa em meu mundo interior,
transformando o mundo exterior, dando vida às palavras.

PREFÁCIO
Ela, garota,
queria mudar o mundo.
Em sua busca,
encontrou poesia,
virou mulher.
Percebeu que bom mesmo
é compreender o próprio mundo.

Sendo Lagarta é a primeira obra publicada em livro pela jornalista e poeta de alma aventureira e afável, Bruna Ferrari Faganello. Fruto da entrega à arte da poesia, o projeto nasceu de maneira despretensiosa quando escrever poesia e compartilhá-la por meio de um blog era, respectivamente, uma forma de encontro consigo mesma e de estar no mundo. Para nossa sorte, o projeto foi ganhando espaço, alma e movimento e agora chega às nossas mãos em forma de livro, resultado de um bonito e desvelado processo de amadurecimento; uma possibilidade tão inerente ao ser humano e, por vezes, tão desapercebida em nós mesmos.

Sua escrita simples, sem demérito à profundidade da obra, é acessível a todos, tanto por seu fácil entendimento quanto pela abrangência de conteúdo; certamente cada leitor se identificará com ao menos uma de suas poesias.

O título, cuidadosamente escolhido, é um convite para mergulharmos com a autora em nosso mundo interno, na busca pelo próprio casulo. Nessa procura, partimos de quem estamos sendo agora, e, pouco a pouco, podemos revisitar o passado: quem um dia fomos, o que um dia sentimos, aguçando nossa memória afetiva, chegando à nossa origem. Nessa viagem, passamos por cenários que nos são tão familiares, com pessoas em movimento, cheiros e sabores… sensações de todo tipo; passamos inclusive por quem éramos agora a pouco. Paramos, degustamos as cenas e seguimos, já que tudo está eternizado nas palavras da poeta.

Há também a possibilidade de apreciarmos a leitura sendo borboletas, voando pelos versos de modo aleatório e despretensioso. Não há necessidade de seguir o curso da viagem, podemos transitar fora do roteiro e tudo ainda fará sentido. Nesse voo, temos uma visão panorâmica: a vida real sob o prisma da arte traduzida delicadamente em poesia.

Bruna tem um olhar sensível ao observar os detalhes da vida cotidiana e traduzi-la de forma leve e reconfortante em sua escrita poética. Ela registra cenas que são, por vezes, invisíveis aos nossos apressados olhos: a praça, sua riqueza de detalhes, as vidas que ela abriga e os abraços que generosamente concede a quem naquele momento deles necessita; a infância e suas deliciosas descobertas; o envelhecer e o constante tornar-se ser; o luto, a perda, o recomeço; o amor e a dor; o ser lagarta e o ser borboleta, o relacionar-se consigo e com o outro; o tempero que dá sabor à vida e aguça nossas sensações.

Assim é Sendo Lagarta: é arte, é movimento, é processo de amadurecimento; o ponto de chegada é também o ponto de partida.

Camila Monteiro

 

Espelho

Que imagem é essa que vejo no espelho? Com marcas, olheiras e algumas histórias. Que imagem é essa que o outro vê projetada em mim? O que ele vê que eu não vejo? O que ele sabe que eu
não sei? Narciso, mergulhado em si, perdeu-se; eu, fora de mim, perco-me também.

As formigas tentam invadir a casa, dominar o espaço.
Incômodo, coceira, inconformidade.
– Vocês não vão entrar aqui! Intrusas!
É difícil conter uma multidão.

Volto meus olhos para o espelho, agora com a imagem da criança que um dia fui. Parecia mais fácil quando não havia reconhecimento nem maquiagem.

– “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?”
E o espelho revela alguma verdade:
– Ontem, a Branca de Neve teve 50 mil likes.
Nesse momento, a madrasta faz uma selfie.

Comprei um novo espelho, grande e de moldura branca, agora consigo me ver dos pés à cabeça. O outro já estava descascado, velho, quebrado. Já não me oferecia o que eu precisava enxergar.

E se no fim do arco-íris…
eu não encontrar o pote de ouro de que tanto me falaram?
eu não alcançar a felicidade que um dia me venderam?
eu não ganhar as recompensas que pela vida me ofereceram?

De dentro do carro, olho pelo retrovisor. Será que deixei alguma coisa para trás? De frente para o espelho, vejo algo ecoando através de mim.

Um bem-te-vi em cima do prédio canta há dias
não é visto por ninguém, mas sua presença é sentida.
Como a vida ultimamente:
nem sempre é percebida
embora esteja em todo lugar
passando, pulsando, vibrando.

Olho para o espelho e enxergo novas possibilidades. Olho para o espelho e me vejo bonita. Olho para o espelho e me perco, e me encontro, e me renovo. Olho para o espelho e percebo uma imensidão. Olho para o espelho e me sinto desconfortável. Olho para o espelho e me reconheço. Olho para o espelho e me sinto abandonada. Nunca olho para o espelho.

Uma jovem, de frente para o espelho, caiu no sono profundo.
Acordou outra pessoa.
Era descanso de que ela precisava.

 

Metamorfoseando

Lagarta escritora,
o que você quer?
Fazer deste mundo um verso sequer.

Lagarta escritora,
o que você busca?
Um pouco de história, uma rima avulsa.

Lagarta escritora,
o que quer mostrar?
A beleza de tudo, aguçar o paladar.

O que sabe, o que sente?
Que a vida não passa de uma eterna semente.

Tem sonhos, alguma paixão?
Quero um dia alcançar toda a imensidão.

Lagarta escritora,
o que espera do mundo?
Não muito, sou ainda uma aprendiz mergulhando bem fundo.

Por que as palavras?
São elas que me dão belas e longas asas.

Lagarta escritora,
o que você é?
Sou o interior, o casulo, a morada
à espera ansiosa por minha breve jornada.

 

Encontro lírico

Eu queria dizer, mas Adélia disse antes.
Considerei com devoção.

É preciso ter olhos e ouvidos para sentir a perplexidade doceamarga desta existência. Faz-se tão sorrateira, acontece com tanta leveza. Está no bater das asas da borboleta, em meio à bagunça. Atravessa a alma, com calma, afagando os lugares que pareciam esvaziados pelo tempo. É como ouvir uma canção e sentir em suas notas um aconchego. É mesmo Deus falando, deixando seu rastro, fazendo alguma coisa pulsar dentro da gente. Se tem outro nome, desconheço. Um encontro legítimo entre corpo e alma. É maior, é completo, é sagrado. Que sorte quando isso acontece! É a vida pintando no quadro seu significado. São as palavras brincando de ser criança no parque. Às vezes, é preciso um encontro desses para sentir-se inteira.

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